O Presidente da República, nos usos de suas atribuições constitucionais, previstas no artigo 62 da Constituição Federal[1], editou a medida provisória de número 774, de 30 de março de 2017, com eficácia a partir de 01 (primeiro) de julho de 2017. Referido instrumento legislativo teve por escopo alterar dispositivos da Lei 12.546 de 2011[2]

Ocorre que a medida provisória, antes mesmo de produzir seus efeitos, gerou enorme controvérsia entre os operadores do Direito e também entre os profissionais da Ciência Contábil, isto porque teria influência direta no Direito Tributário e na forma de registro dos fatos contábeis, já que alteradas a base de cálculo e alíquota do gravame tributário, que deixaria de ser recolhido pela receita bruta da pessoa jurídica e passaria a sê-lo pela folha de pagamento, a partir do mês de julho de 2017[3].

Com a alteração da Lei 12.546 de 2011, o Tesouro Nacional pretendia aumentar em cerca de 4 (quatro) bilhões a arrecadação federal ainda no segundo semestre de 2017[4], para fazer frente ao déficit fiscal apresentado nas contas públicas de forma sucessiva, o que acabaria com a política fiscal de desoneração iniciada nos governos anteriores.

Com a forte pressão dos grupos organizados, a medida provisória que deveria ter sido incluída na pauta da Câmara dos Deputados para apreciação e votação pelos legisladores federais, fora revogada pela medida provisória 794[5].

Assim, a medida provisória 774 irradiou efeitos por apenas 39 (trinta e nove) dias, sendo então revogada por ato de igual hierarquia e que lhe retirou todos os efeitos e mesmo a sua existência do mundo jurídico, porém deixando sem regulação os atos jurídicos praticados durante sua eficácia.

Portanto, tem-se um questionamento acerca de como proceder legalmente em relação aos registros dos fatos contábeis, se se utiliza das prescrições da Lei 12.546 de 2011, que trata da desoneração, ou se lança mão das disposições tributárias da pedida provisória 774 de 2017, sem embargo da possibilidade de uso de medida provisória em matéria tributária[6], é também a lição de Luciano Amaro[7].

Alguns empresários, prevendo que poderiam lograr no Poder Judiciário a decisão de não observar as disposições da medida provisória 774 de 2017, conseguiram liminares para continuarem observando as disposições da Lei 12.546 de 2011, o que para estes não haverá qualquer preocupação adicional.

Para aqueles que não ingressaram com pedidos de tutela de urgência no Poder Judiciário, resta seguir os ditames da referida medida provisória, e recolher o gravame com base na folha de pagamento e não mais com base na receita bruta e, caso a Receita Federal do Brasil entenda que o recolhido é indevido, fazer uso da repetição do indébito ou instrumento semelhante.

Caso resolvam continuar seguindo os ditames da Lei 12.546 de 2011, devem acautelar-se em decisão judicial para tanto; caso contrário, devem ficar atentos ao entendimento da Receita Federal do Brasil, que em breve deverá emitir regramento acerca do tema, quando então poderão retificar as declarações respectivas e recolher as diferenças, com os encargos e acessórios.

Por fim, vale consignar que, há a possibilidade de o Congresso Nacional regular as relações jurídicas ocorridas durante a eficácia da medida provisória por decreto legislativo[8], mas caso isso não ocorra, tais relações serão reguladas pela medida provisória revogada, o que significa dizer que, no mês de julho, as disposições da medida provisória 774 de 2017 devem ser observadas.

 

Santo André, 12 de agosto de 2017.

Márcio de Oliveira Sampaio

OAB/SP 220.323

Advogado na Mendes Domingos Sociedade de Advogados

Especialista em Direito Tributário e Professor Universitário.

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[1] – Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.

[2] – Conhecida como a lei da desoneração da folha de pagamento das empresas.

[3] – A Medida Provisória 774 de 2017 previu um período de “vacatio legis”, do dia 30 de março de 2017 ao dia 01 de julho de 2017.

[4] – Jornal o Estado de São Paulo, http://politica.estadao.com.br/blogs/coluna-do-estadao/mp-que-reonera-folha-de-pagamento-de-50-setores-deve-cair/, acessado em 12 de agosto de 2017, às 20hs. e22 min.

[5] Editada em 09 de agosto de 2017.

[6] Artigo 62, parágrafo 2º da Constituição Federal.

[7] “As medidas provisórias têm sido utilizadas em matérias tributárias reservadas às leis ordinárias, com a aquiescência do Congresso e dos Tribunais”. Direito Tributário Brasileiro, 13ª edição, Saraiva, página 177.

[8] – Artigo 62, § 3º “As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes”.